É inequívoco que a construção de uma identidade passa pelo conhecimento da própria História, não no sentido de resgatá-la idealisticamente, mas de fazê-la presente como referência cultural. Cerca de 66 milhões de pessoas (44% do total de 150 milhões) fazem do Brasil o segundo maior país de negros ou descendentes de negros do mundo
Perdendo somente para a Nigéria (1991:122.340.000); entretanto, a marca da escravatura e a hegemonia branca obscurecem esta realidade. Esta farsa de olhar e não ver, ou não querer ver, está plenamente estampada no ensino brasileiro. Quem olha para os currículos escolares, do primeiro grau à universidade - salvo raras exceções - não vê a presença negra, senão restrita a algumas lamúrias nas poucas páginas dedicadas à escravatura.
Nos cursos de História os egípcios e mesopotâmios desaparecem pura e simplesmente quando a Europa torna-se hegemônica. A Ásia e a África aparecem e desaparecem não como possuidoras de sua própria historicidade mas como apêndices na História da expansão européia. Passado este capítulo, desaparecem misteriosamente. Fica-nos a impressão de que deixaram de ter História, de existir.
Qualquer brasileiro que tenha passado pelo primeiro grau certamente já ouviu falar da cidade estado grega, do Império Romano, do Sacro Império Romano-Germânico, das potências aliadas;
Alexandre, Nero, dos vários Luízes, Napoleão, Churchil, Roosevelt, Hitler ou Stálin,
mas quem já ouviu falar dos Ashantis, Yorubas, Haussas, Pehuls, Fulas, Bakongos, Makondes, Xhosas, Macuas e Swahílis? E do império do Monomotapa, dos reinos do Daomé, do império Vátua, da Rainha Nzinga, de Mussa Keita, de Sundjata, de Tchaka e Ngungunhana, Amílcar Cabral, Patrice Lumumba, Julius Nyerere ou Samora Machel? Alguém já estudou a respeito? Já ouviu sequer falar?
Por fim cabe lembrar que estes parêntesis em que as culturas africanas estão colocadas, hoje no Brasil, não são casuais. Todos sabemos, desde há muito, que a cultura hegemônica considera-as marginais. Cabe a nós por espírito científico e obrigação de ofício navegar contra esta corrente, trazê-las à superfície não como tábuas salvadoras e restauradoras de um passado perdido, não em busca de um renascimento cultural mas como algo vivo, como expressão de povos dos quais, afinal, também somos descendentes.